O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) “opõe-se veementemente” à proposta de estatuto dos funcionários judiciais do Governo, acusando-a de colocar em causa a autonomia do Ministério Público (MP) e de violar o princípio de separação de poderes.
Num parecer do sindicato à proposta de revisão de estatutos, que incide sobretudo nas normas com repercussão na atividade do MP, o SMMP critica as normas constantes, que “constituem medidas de entorpecimento das funções do oficial de justiça, passando a tratar-se de meros agentes da função pública, totalmente dependentes de um serviço central da administração do Estado”.
“Os oficiais de justiça que exercem funções nas Secretarias do MP, em especial os que trabalham na área da investigação criminal, não podem estar sujeitos unicamente a ordens e instruções provindas de uma entidade administrativa. Tal decisão coloca em causa a própria autonomia do MP”, lê-se no parecer datado de 20 de outubro.
Um dos pontos analisados, a divisão da carreira de oficial de justiça em dois, criando uma categoria superior, merece críticas por não ir ao encontro da autonomização de carreiras reivindicada pelo SMMP — magistratura judicial e do MP — e por retroceder, no entendimento do sindicato, “ao tentar criar duas carreiras especiais, sem diferenciação entre funções necessariamente distintas das Secretarias Judiciais e das Secretarias do MP”.
“Este projeto ignora completamente as especificidades das funções exercidas pelo MP. Aliás, podemos ir mais longe dizendo que este projeto praticamente se esquece da existência do MP, bem como dos seus magistrados, das suas secretarias e dos oficiais de justiça que atualmente nelas exercem funções”, acusa o sindicato de procuradores, classificando o estatuto como um projeto “exclusivamente orientado para as funções da magistratura judicial e em que o MP é ignorado”.
O SMMP reitera que o MP necessita de um “corpo de funcionários próprio, autónomo, com formação adequada e especialização nas suas diversas áreas de intervenção”.
Sobre a possibilidade de os novos técnicos superiores de justiça virem a exercer funções de assessores de magistrados, o sindicato alerta para os riscos de violação do princípio de separação de poderes, sublinhando que “a carreira de oficial de justiça está subordinada ao poder executivo”, na dependência do Ministério da Justiça e da Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ).
“Os oficiais de justiça estão sujeitos ao dever de obediência, o qual consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, que estão na dependência do poder executivo. A dependência funcional dos oficiais de justiça à DGAJ impede, por violação do princípio da separação de poderes constitucionalmente consagrado, a execução, com autonomia técnica, de trabalhos de elevada complexidade que lhe sejam cometidos por magistrado ou pela lei ou o exercício de funções de assessoria técnica aos magistrados”, defende o SMMP.
Recordando que as magistraturas defendem a existência de assessores aos juízes e procuradores, o sindicato defende que estes devem estar na dependência dos dois conselhos superiores — da Magistratura e do MP — “de forma a garantir as suas respetivas autonomia e independência”.
“A proposta apresentada constitui mais um ensaio velado por parte do poder político de tentar, por via da revisão da carreira dos oficiais de justiça, imiscuir-se no exercício da função jurisdicional e na atividade do MP e dessa forma dar mais um passo no processo de `administrativização` do sistema de justiça”, acusa o sindicato.
O parecer critica ainda o acesso a cargos de chefia por aprovação da DGAJ das comissões de serviço, sem que os critérios de seleção fiquem já especificados no estatuto, e que a renovação dessas comissões de serviço dependa também do diretor da DGAJ, “colocando os cargos de chefia à mercê de uma única pessoa, favorecendo ambientes propícios ao seguidismo e favorecimento dos `yes man`, em detrimento de se favorecer uma cultura de responsabilidade e qualidade das chefias”.
No início do mês, o MJ convocou os sindicatos para apresentar uma proposta de revisão dos estatutos profissionais dos funcionários judiciais e da sua carreira, com impacto estimado de 20 milhões de euros anuais, que transforma parte destes profissionais em assessores de magistrados, prevê a divisão da carreira em duas categorias, um suplemento mensal de 20% e um aumento de 100 euros no salário de ingresso na base da carreira, proposta que mereceu críticas dos dois sindicatos.
in – https://www.rtp.pt/noticias/pais/projeto-de-estatuto-dos-oficiais-de-justica-poe-em-causa-autonomia-do-mp_n1524173