Será necessário que seja roubado um computador no Ministério da Justiça – com um segredo de Estado tal como a imagem da própria ministra – para a vermos falar no espaço público
A justiça é uma área da governação e da vida nacional que está diariamente sob o escrutínio dos portugueses. Uma parte substancial das notícias nacionais ocupa-se de casos judiciais, sobretudo criminais. Quem não sabe o que é um arguido? Ou um juiz de instrução? Quem não sabe que a palavra “célere” foi inventada para ser declinada com a palavra “justiça”? Quem não vibra com a criatividade dos nomes das operações da Polícia Judiciária? Quem não sofre — ou se regozija — com as prescrições? Esta extrema visibilidade da justiça em acção tem contrastado com a total ausência, da arena pública, da titular do Ministério da Justiça. Total ausência é um excesso, é certo, já que a senhora ministra, nestes últimos tempos, esteve presente, para além de cerimónias oficiais, no programa televisivo Praça da Alegria. Infelizmente, não falou da situação em que se encontram os nossos tribunais decorrentes do braço-de-ferro que, em má hora, decidiu (certamente mal aconselhada) travar com os sindicatos dos funcionários de justiça. Depois da covid, o empastelamento dos julgamentos atingiu novos recordes com o prolongamento das greves que, desde o princípio do ano, assolam os nossos tribunais. Tanto quanto percebi, o Ministério da Justiça parece reconhecer a legitimidade do essencial das reivindicações dos funcionários, mas propõe que a sua ponderação e resolução sejam deixadas para mais tarde… Já escrevi aqui um dia que, “da minha experiência profissional, tenho como certo que os funcionários judiciais, em geral, trabalham muito para além do que lhes seria exigível, não recebendo horas extraordinárias, pelo que me parece que, havendo bom senso de ambos os lados, seria possível acabar com estas greves rapidamente. E vai levar bastante tempo para se conseguir recuperar todos os agendamentos que foram dados sem efeito”. Infelizmente a lógica com que foram encaradas estas greves por parte do poder não foi a do bom senso mas a de medir forças e, eventualmente, reprimir. Estou absolutamente convicto de que essa não é a melhor forma de conquistar a adesão à melhoria do funcionamento das empresas ou serviços por parte de trabalhadores ou funcionários. Pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República sobre a legalidade das greves, com a consequente exigência do controle da “picagem” do ponto, pode ter sido juridicamente muito interessante e uma vitória brilhante da burocracia central, mas, em termos do funcionamento dos tribunais, só veio piorar a situação e cavar ainda mais fundo a justificada insatisfação dos, pode-se dizer com propriedade, sacrificados funcionários judiciais. Se, em geral e habitualmente, os funcionários judiciais trabalhavam para além das horas de serviço, apesar de não receberem horas extraordinárias, agora que têm obrigatoriamente de “picar o ponto”, nos seus computadores, à hora de saída, estão a ser convidados a adquirirem aquela mentalidade de outros serviços estatais de 15 ou 30 minutos antes do fim do seu horário de serviço já estarem em contagem decrescente para se irem embora… Nesta fase, os períodos de greve estão a ocorrer, às terças e quintas, até às 10h30. É mais um caos e descrédito, como é evidente. Entende a ministra da Justiça que o problema é dos sindicatos e não da Justiça? Que não tem de negociar, nem de ceder seja o que for? Então que venha publicamente dizê-lo. Pode, por exemplo, convocar uma conferência de imprensa. Seria uma forma de mostrar alguma consideração por todos nós. Ou será necessário que seja roubado um computador no Ministério da Justiça — com um segredo de Estado tal como a imagem da própria ministra — para a vermos falar no espaço público? Na educação, temos visto um ministro a explicar-se, melhor ou pior, mas, por diversas vezes, sobre a política que pretende executar e as razões das divergências com os sindicatos. Na Justiça, pouco ou nada sabemos sobre a estratégia do ministério ao lidar com as greves, mas o certo é que todos os que trabalham nos tribunais sabem bem que não faz qualquer sentido, nem traz bons resultados, tratar como inimigos da Justiça os seus dedicados funcionários. O ambiente nos tribunais é de desânimo e creio mesmo que quem lá trabalha sente que o Estado, na pessoa da senhora ministra, o abandonou. Não quererá a senhora ministra da Justiça mostrar-se um pouco mais? E melhor? Obrigado.
in Publico – 3 junho 2023