É com grande perplexidade que assistimos ao final do mandato da Senhora Procuradora Geral da República, uma figura que, ao longo de seis anos, manteve um silêncio ensurdecedor sobre um dos problemas mais gritantes do sistema judicial – a falta de oficiais de justiça nos serviços do Ministério Público e nos tribunais. Este silêncio é mais que uma omissão; é uma negligência que custa caro ao funcionamento da justiça em Portugal.
Na sua primeira entrevista pública, ao invés de abordar a carência de recursos humanos e as condições extenuantes de trabalho dos oficiais de justiça, a Senhora Procuradora opta por utilizá-los como bodes expiatórios. Acusa-os de atrasar os primeiros interrogatórios dos arguidos da Madeira devido às suas greves, quando deveria estar ciente de que muitos destes profissionais, mesmo com o direito à greve, escolheram continuar a trabalhar sem receber qualquer compensação por horas extraordinárias. Estes são profissionais que, por devoção e sentido de dever, trabalharam sete, oito horas além do expediente, apenas para garantir que a justiça não parasse.
Essa deveria ser a real preocupação da Senhora Procuradora – reconhecer e valorizar o sacrifício daqueles que, apesar das condições adversas, continuam a carregar nos ombros o peso de um sistema que parece não os valorizar. No entanto, nunca se ouviu uma palavra de apreço ou preocupação da sua parte em relação à falta de recursos humanos que assola o setor judicial.
Ao contrário de outras personalidades ligadas à justiça, que se têm manifestado e reconhecido o esforço dos oficiais de justiça, a Senhora Procuradora permaneceu distante, alheia às dificuldades e desafios diários enfrentados por estes profissionais. A sua abordagem, na sua primeira e tardia entrevista, não só falha em reconhecer a realidade como também desfere um golpe injusto e desnecessário àqueles que mais têm sofrido com a sobrecarga de trabalho.
Neste contexto, não é apenas a justiça que está em julgamento, mas também a liderança de quem deveria ser a guardiã da sua eficácia e equidade. Se há algo que a Senhora Procuradora deveria levar deste mandato, é a lição de que a justiça não se faz apenas nos tribunais, mas também no reconhecimento e valorização de todos os que nela trabalham, muitas vezes, em condições de grande sacrifício pessoal.
A violência doméstica, este flagelo social atinge centenas de vítimas anualmente. Mas será que o sistema judicial está à altura do desafio? Em 2022, a Polícia Judiciária registou 27.682 ocorrências de violência doméstica. Apesar das iniciativas legislativas e campanhas de sensibilização, a eficácia do sistema judicial ainda é debatida. Longos processos judiciais e a liberdade dos agressores durante o andamento dos processos aumentam o risco de reincidência.
Ana (nome fictício) sofreu abusos físicos e psicológicos durante dez anos de casamento. Quando denunciou, enfrentou um sistema judicial sobrecarregado. “Passei meses a viver com medo, mesmo depois de ter denunciado. Muitas vítimas partilham sentimentos de desespero e frustração.
Destaca-se a importância de uma resposta coordenada entre forças de segurança, serviços sociais e tribunais. No entanto, a sobrecarga dos tribunais e a falta crónica de oficiais de justiça são desafios que persistem.
Para uma justiça eficaz na luta contra a violência doméstica, é necessário um compromisso contínuo com a melhoria das condições dos tribunais, formação dos profissionais e sensibilização da sociedade. Assim, histórias como a de Ana serão exceção, não a regra.
Há dias li que um «Manifesto de 50 nomes sonantes» exigia uma «reforma da justiça».
Boa, pensei eu, ingénuo como sou, crendo que estávamos mesmo a falar de uma reforma que garantisse o efetivo e eficaz acesso de todos aos Tribunais.
Ou seja, tribunais próximos e bem equipados, especializados, com magistrados e funcionários em número adequado, bem como um verdadeiro serviço público de acesso ao Direito com advogados pagos como deve ser, para além de um sistema de custas que fosse compatível com os rendimentos do agregado familiar de quem necessitasse de recorrer à justiça.
Mas não. A tal “reforma” é a da justiça para os ricos e poderosos.
Triste manifesto nos 50 anos de abril.
Não é para travar desjudicialização que mais não são que privatizações da justiça; também não parece que vise a simplificação processual; fomento da cultura da conciliação; decisões judiciais simplificadas, entendíveis pelo cidadão comum; legislação tutelar de menores com mais competências preventivas ao Ministério Público; melhorar a eficácia dos mecanismos punitivos e sancionatórios quando se não cumprem os regimes estabelecidos; nada, silêncio total.