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A Eterna Greve?

Os tribunais já estão à beira do precipício. Esperemos que os responsáveis acordem a tempo de evitar a queda. Acabar com a eterna greve deveria ser uma prioridade. Os funcionários judiciais estão determinados. E têm razão.

Dra. Carla Oliveira

Com o conhecimento de quem trabalha nos tribunais há mais de 30 anos posso garantir que as reivindicações dos funcionários judiciais já vêm de longe tendo-se agravado substancialmente, de forma compreensível e legítima, nos últimos anos. Foram inúmeras, e sem sucesso no que respeita à obtenção de resultados visíveis, as greves que fizeram.

E, se os últimos anos foram profícuos em greves desta classe profissional, o último ano, com especial destaque para estes últimos meses, bateu todos os recordes. As greves – sim, porque não foi uma, mas sim várias as que foram cumpridas desde o início do corrente ano – têm sido sucessivas e praticamente de forma ininterrupta.

Estas greves contínuas, ao contrário do que seria de esperar numa classe que recebe salários baixos, e que como tal sente sérias dificuldades económicas decorrentes do desconto mensal desses dias em que não trabalhou, têm tido uma adesão elevadíssima.

Em alguns dias rondou os 95%, com inúmeros tribunais – alguns dos quais significativos em termos de dimensão – totalmente encerrados. A média de adesão nacional tem rondado os 85%. A explicação é simples: trata-se de uma classe profissional envelhecida, desgastada, sobrecarregada de trabalho e de responsabilidades, estagnada, sem qualquer tipo de progressão, que não dispõe de condições de trabalho e que ganha mal. Acima de tudo estão cansados e revoltados por não serem vistos nem ouvidos. E têm razão.

Todos estes ingredientes fizeram e estão a fazer desta greve um sucesso em termos de adesão.

Mas, estranhamente, numa sociedade em que a área da justiça assumiu um protagonismo imenso, pouco se fala desta greve. É quase como se não existisse, como se fosse irrelevante e não tivesse quaisquer consequências. Na comunicação social é mencionada quase de passagem, apenas assumindo alguma relevância quando alguma diligência de um processo mais mediático é adiada. Como se nos tribunais apenas os processos conhecidos e mediáticos – uma ínfima percentagem, esclareça-se – importassem.
Ninguém fala das diligências que diariamente são adiadas. E são milhares. Tal como são milhares os processos que estão parados e os atos que a cada dia não se praticam.
Mas é isto que na realidade se passa em cada um dos tribunais espalhados por todo o país. Sem funcionários nada se faz num tribunal. São eles que, entre tudo o mais, “fazem a chamada” das pessoas que se apresentam no tribunal e sem eles, nem isso é feito o que equivale a dizer que o dia de trabalho nem sequer se começa.

Não temos dúvidas que esta paralisação está a afetar de forma extremamente grave o normal funcionamento dos tribunais. O número de atos não praticados e de diligências não realizadas durante estes últimos meses de greve aproxima-se rapidamente dos números relativos aos adiamentos decorrentes da pandemia.

E tendo em conta a nova greve prevista para o período de 29 de maio a 14 de julho pode-se dizer com segurança que até ao inicio das férias judiciais de verão (16 de julho) os tribunais vão estar praticamente parados. Esses números vão subir exponencialmente. E, como todos aqueles que trabalham na área da justiça sabem muito bem, é muito fácil e rápido “afundar um tribunal”. Um par de meses, sem que se pratiquem atos e realizem diligência, basta para tal. Mas, para o recuperar, sobretudo com a gritante falta de meios humanos existentes atualmente, são necessários alguns anos.

Mas não se ouvem as vozes daqueles que sistematicamente reclamam e questionam as razões dos atrasos crónicos na justiça. Porquê? Tem sentido que esta realidade, que terá um forte impacto na celeridade processual, seja ignorada?

A posição do Governo ainda é mais assustadora. A questão não é sequer mencionada. No fundo é a posição de que “aquilo de que não se fala, não existe”. E quando não existem problemas está tudo bem. Mas nem esse é o caso, nem este problema se resolve por si só.

Os tribunais já estão à beira do precipício. Esperemos que os responsáveis acordem a tempo de evitar a queda. Acabar com a eterna greve deveria ser uma prioridade.

Os funcionários judiciais estão determinados. E têm razão.

in Sábado – 18mai2023 – https://www.sabado.pt/opiniao/convidados/carla-oliveira/detalhe/a-eterna-greve

23 de maio de 2023 – DRE

  • Acórdão (extrato) n.º 126/2023 – Julga inconstitucional a interpretação normativa do artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, no sentido de ser admissível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento

17 de maio de 2023 – DRE

  • Lei n.º 20/2023 – Altera o regime de vários benefícios fiscais
  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2023 – Concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, e decidindo-se que a expressão «dias consecutivos», constante da Cláusula 82.ª do Contrato Colectivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal – AIMMAP e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso

A luta não esmoreceu – Correio da Justiça – CMJornal – 17mai2023

Os Oficiais de Justiça portugueses têm batalhado pela dignificação da sua classe de forma corajosa e abnegada por se sentirem humilhados e maltratados por quem os tutela. É verdade que esta luta, que parece não ter fim à vista, tem trazido para a opinião pública, através da sua visibilidade, o conhecimento da sua importância na engrenagem judiciária.

Como já referimos outras vezes e é do conhecimento público, houve um momento alto em que de todos os quadrantes do judiciário e até do senhor Presidente da República foi demonstrado um apoio inequívoco a esta classe profissional. Apoio com o qual continuamos a contar e que reconhecemos como essencial para a obtenção dos objetivos propostos.

Para além das justas reivindicações da classe, também é urgentemente necessária a tão desejada paz social. Os cidadãos merecem uma justiça que se faça e não que fique parada por teimosia de um Governo. Os tribunais convivem com greves desde janeiro e, se nada for feito, o mais provável é serem prolongadas para lá das férias judiciais de verão.

A quem interessa tão longa paragem? Ao cidadão e aos profissionais do foro com certeza que não é.