Greve na justiça adiou mais de 21 mil diligências. E a próxima vai ser pior

Justiça

O Sindicato dos Funcionários Judiciais entregou um novo pré-aviso de greve entre 26 de abril e 5 de maio e confirmou à CNN Portugal que desta vez os funcionários não vão estar no local de trabalho. Ou seja, desta vez, os adiamentos de audiências podem ser quase totais

Começaram a 15 de fevereiro e não sabem quando irão parar. O Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) entregou um novo pré-aviso de greve entre 26 de abril e 5 de maio e, desta vez, será diferente. “Até agora a paralisação era apenas para alguns atos” e os funcionários estavam no local de trabalho, explicou à CNN Portugal António Marçal do SFJ. Na próxima paralisação, “os funcionários não vão estar no local de trabalho”. Assume que foram adiadas mais de 21 mil diligências, mas defende que foram praticados cerca de “15 milhões de atos judiciais”.

Os números finais não são conhecidos, porque oficialmente a greve “parcial” ainda está em vigor e só termina dia 16 de abril. Mas é quase certo que nova paragem de 10 dias vai agravar, e muito, os adiamentos das diligências. “Só vão ser garantidos os serviços que a lei define como urgentes e que são os que são praticados, por exemplo, aos sábados”, esclarece António Marçal.

Apesar das mais de 21 mil diligências adiadas, “muitos milhares realizaram-se”. “Era o juiz que determinava se o processo era urgente. Sempre abrimos essa possibilidade, porque sabíamos os prejuízos que a paralisação causava”, explica a mesma fonte, que garante mesmo que “todas as audiências na área de menores foram realizadas”.

Segundo as contas do sindicato, “faltam 1200 funcionários judiciais” nos tribunais. E se, por um lado, milhares de diligências foram adiadas, “milhões de atos” foram praticados. Na verdade, ao não estarem “ocupados em audiências”, os funcionários judiciais “conseguiram recuperar trabalho que estava parado e atrasado”. “Houve 15 milhões de atos praticados entre diligências, notificações, arrestos, informações, etc”, acrescenta António Marçal.

“As pessoas não imaginam o conjunto de trabalho que fazemos até se chegar a um julgamento. Não é trabalho visível, mas tem de ser feito. Ninguém imagina, por exemplo, o trabalho que dá uma insolvência até ficar tudo decidido”, conclui. E sem funcionários suficientes é impossível garantir que seja realizado de forma célere, “como a justiça deve ser”.


O apelo dos advogados (e a resposta)

Desde o início do protesto, a 15 de fevereiro, e perante o adiamento de milhares de julgamentos e diligências, o Conselho Regional de Lisboa (CRL) da Ordem dos Advogados deixou um apelou ao Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ) para encontrar forma de evitar que a greve provocasse “prejuízos desnecessários” aos cidadãos e advogados que têm processos em andamento.

Apesar de reconhecer os motivos da greve, o CRL acreditava que era possível fazer alguma previsão de quando haveria, ou não, condições para as diligências se realizarem e, por isso, apelava: “Sem desconsiderar em momento algum o direito à greve destes funcionários e considerando inclusive que esta é uma forma de lutar para que sejam reunidas todas as condições, principalmente de recursos humanos, para a imprescindível prossecução da Justiça, o CRL pretende sensibilizar aquela entidade sindical para o impacto das medidas adotadas, nos cidadãos e nos advogados que os representam“.

Perante este apelo, António Marçal lembra que “um funcionário judicial não pode adiar uma diligência”. “Quem pode adiar uma audiência ou uma diligência é um juiz ou um procurador”, explica. Mesmo entendendo o apelo, e até, os danos causados, reforça que “essa é uma prerrogativa do juiz”. Só depois dessa decisão, um funcionário poderá notificar quem de direito.

O representante sindical esclarece ainda que “um funcionário que faça algo assim”, sem ser um juiz ou um procurador, pode enfrentar “um processo disciplinar e fica sujeito a sanções que podem ser muito graves”.


Ministra da Justiça reconheceu que impacto “é inegável”

Há alguns pontos que o Sindicato dos Funcionários Judiciais não abre mão para suspender o protesto. E este novo pré-aviso de greve pode não ser o último. Entre eles está “a falta de funcionários”, “o congelamento das promoções” e o pagamento do suplemento salarial a que têm direito 14 vezes por ano, em vez das atuais 11.

Em março, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, reconheceu que “é inegável” o impacto da greve dos oficiais de justiça. “O senhor secretário de Estado está a rever o estatuto, já fizemos entrar mais pessoas, a outra reivindicação é uma questão de aposentação que nem os juizes têm esse nível de aposentação. Eu esperava de facto que, com aquela primeira conversa, pudéssemos ter tido a desconvocação desta greve. Acho que os oficiais de justiça que optaram por esta greve deviam pensar e refletir nas consequências que esta greve está a ter na área da Justiça”, afirmou.

Em seguida diferenciou sindicatos: “Temos dois sindicatos diferentes: o SOJ, que está a fazer uma greve clássica, e depois uma diferente forma de luta do SFJ, que, essa sim, tem, de facto, causado esta perturbação na justiça”.

Todavia, desta vez, o SFJ regressa ao protesto “clássico” e apenas vão ser garantidos os serviços previstos na lei como urgentes e que estão explicados no próprio pré-aviso do protesto:

“Mais se comunica que, atendendo ao carácter das funções, que visam a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, e atendendo ao disposto nos artigos 397.º e 398º da LGT, serão assegurados os serviços mínimos, nos Juízos e serviços do Ministério Público materialmente competentes, e só nestes, e apenas nos dias 26 e 28 de abril e 3 e 5 de maio de 2023 para:

a) Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes;

b) Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinem a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil;

c) Adoção das providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses dos menores, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo;

d) Providências urgentes ao abrigo da Lei de Saúde Mental.”

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