Greve dos funcionários judiciais já provocou 8 mil adiamentos – Expresso

Greve dos funcionários judiciais já provocou 8 mil adiamentos

A greve dos funcionários judiciais está a levar à paralisação dos tribunais e já provocou cerca de 8 mil adiamentos de diligências e julgamentos. Os dados constam do Portal Citius e já motivaram a ministra da Justiça a pedir um parecer ao Conselho Consultivo sobre a legalidade da greve decretada pelos sindicatos dos funcionários judiciais e dos oficiais de justiça. O pedido, segundo o jornal “Público”, foi feito esta semana por Catarina Sarmento e Castro depois de ter estado mais de um mês em “análise” nos gabinetes do Ministério.
António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, considera o pedido “legítimo”, mas critica o timing: “Num caso semelhante, o da greve dos guardas prisionais que se recusaram a transportar reclusos para os julgamentos, não houve qualquer pedido de parecer. E agora, só decidem avançar depois de a ex-deputada Cecília Meireles ter perguntado na SIC porque é que a ministra não pedia um parecer. Cederam à pressão.” A primeira iniciativa para pedir o parecer foi da desembargadora Isabel Namora que está à frente da Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) — a entidade patronal dos funcionários em greve — mas que não tem poderes para pedir diretamente o parecer. Esta magistrada considera a paralisação “ilegal” pelo facto de haver “uma greve decretada” em que, ao invés de haver uma “abstenção total da prestação do trabalho”, “há apenas uma abstenção parcial com a consequente intermitência e incerteza do modo e tempo de prestação”. Além disso, “os funcionários têm a pretensão de receber o vencimento por inteiro, não obstante a adesão à greve”. Para António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, a posição de Isabel Namora é uma “forma de coação” usada para impedir “o direito à greve”. O dirigente sindical revela que foi apresentada uma queixa-crime no “Supremo Tribunal de Justiça” contra Isabel Namora por estar a restringir “o direito à greve”. Logo no início da paralisação, a diretora da DGAJ deu instruções para que fossem registadas “as faltas associadas à realização de greve, com os inerentes adiamentos ou falta de realização de atos”. Segundo a queixa do sindicato, “o ato da diretora-geral da Administração da Justiça consubstancia uma intimidação dos oficiais de justiça que pretendam exercer o seu direito de greve”. Marçal prestou declarações no STJ esta quinta-feira. A inquirição com um procurador-geral-adjunto não foi adiada “porque não era necessária a presença de um oficial de justiça”.

Croissants? Não temos

A greve dos funcionários judiciais começou a 15 de fevereiro e prolonga-se até 15 de março. Já levou ao adiamento de julgamentos como o do padre Luís Miguel Costa, acusado de aliciamento de um menor e que seria o primeiro prelado a ser julgado depois da divulgação do estudo sobre os abusos de menores por membros da Igreja; e de leituras de acórdãos como o do e-toupeira (adiado cinco vezes até que o acórdão foi simplesmente enviado por correio aos arguidos) ou o do cartel das seguradoras, cuja sentença foi adiada para depois de 15 de março, o último dia da greve. Problema: o sindicato já fez mais um pré-aviso de greve que durará mais um mês e levará, inevitavelmente, ao adiamento de mais uns milhares de julgamentos e diligências. “Nós paramos a greve no dia em que a ministra nos der garantias de que as nossas principais reivindicações (ver entrevista) são atendidas e estamos abertos a que o sejam de uma forma faseada.”
Contactado pelo Expresso, o gabinete de Catarina Sarmento e Castro assume que “o direito à greve é um direito constitucional” e que foi enviado ao Ministério das Finanças um “estudo prévio relativo à revisão das carreiras dos funcionários de justiça”. A greve funciona assim: os funcionários judiciais apresentam-se no local de trabalho, mas fazem greve a atos processuais como julgamentos ou audições de testemunhas e recusam-se, por exemplo, a vender certificados de registo criminal. Isto é, estão na secretaria, mas só praticam atos urgentes — como julgamentos com presos ou audiências em processos de adoção. Em declarações à Lusa, ainda antes de a paralisação começar, António Marçal já prometia uma greve “diferente”. Num caso semelhante, o Conselho Consultivo da PGR considerou ilegal a greve dos professores ligados ao STOP.
“É como se numa pastelaria os empregados em greve vendessem pastéis de nata e escusassem vender croissants”, critica um dirigente de uma comarca que não quer identificado. “É o melhor dos dois mundos. Recebem o salário e fazem greve.” Segundo este responsável, já há juízes a participar disciplinarmente dos funcionários em greve ao Conselho dos Oficiais de Justiça, presidido por Isabel Namora. Segundo o Expresso conseguiu saber, um desses juízes é João Bártolo, um dos mais experientes do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.

“Somos o óleo”

De acordo com os números do sindicato, a adesão à greve rondará os 98% e já levou ao adiamento de 1656 julgamentos e diligências só nas comarcas regionais de Lisboa. Ainda segundo o sindicato, na comarca de Braga houve 957 diligências que foram adiadas e em Viana do Castelo 235. Os números são semelhantes em todo o país, perfazendo um total de cerca de 8 mil casos. E sobe todos os dias. No pré-aviso de greve, o sindicato exigia o “preenchimento dos lugares vagos na carreira dos oficiais de justiça, a abertura de procedimentos para o acesso a todas as categorias da carreira, a integração do suplemento de recuperação processual no vencimento, a inclusão num regime especial de aposentação e de acesso ao regime de pré-aposentação e a revisão do estatuto profissional”. Se nada disto for aceite, haverá nova paralisação. “Somos o óleo que faz o motor funcionar e se faltar a máquina começa a emperrar e pode ‘gripar’.”

 

TRÊS PERGUNTAS A António Marçal
Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais

P. Esta greve é ilegal?
R. Não, não é. Já houve uma greve semelhante de agentes da justiça — os guardas prisionais — e não houve qualquer declaração de ilegalidade ou pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Portanto, há um precedente que nos dá razão. Além disso, nós estamos a trabalhar.

P. Mas recusam-se a praticar determinados atos. E recebem por inteiro, como se não estivessem a fazer greve. Isso é justo?
R. É, porque nós estamos a trabalhar: cumprimos o horário e estamos no local de trabalho. Estamos a praticar os serviços mínimos e fazemos centenas de atos que permitem que os tribunais continuem a funcionar. Mas estamos a emperrar a máquina, isso é verdade. É o objetivo da greve. Demonstrar a nossa importância.

P. A greve vai continuar?
R. A greve vai continuar mais um mês se não houver uma resposta concreta às nossas reivindicações. E termina no dia em que a ministra assumir pelo menos duas coisas: que paga o subsídio de recuperação processual, que representa 10% do vencimento dos funcionários, e que assume o preenchimento das vagas que existem nos quadros e as promoções que já foram validadas. No dia em que isto for assumido a greve acaba.

 

in Expresso – 3mar2023

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