A nova presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) conversou com o DN sobre a profissão, os seus desafios e as metas para o mandato.
Porque decidiu ser funcionária judicial?
Primeiro tinha feito um concurso, estava a estudar na altura engenharia, mas, entretanto, achei que estava na altura de começar a trabalhar e pareceu-me que os tribunais seriam uma boa opção. Não sabia se ia continuar ou não como oficial de justiça, mas, para começo, como tinha feito o concurso e tinha passado, concorri, porque é uma coisa que também faz parte de mim, daquilo que eu gosto, os temas da justiça.
E a atuação sindical, começou quando?
Desde que entrei para os tribunais, fiz-me logo sócia. Pouco tempo depois, tive um convite para pertencer à estrutura, mas era uma coisa muito leve, como suplente, na parte das coordenadoras regionais. Em 2020, tive o convite para pertencer como secretária executiva da regional de Lisboa, no último mandato. Mas sempre tive um gosto muito grande, um apelo pelo sindicalismo.
Os oficiais de justiça estão um pouco nos bastidores. Como vê a valorização da profissão?
Não somos valorizados. Uma das coisas que me trouxe aos tribunais, há 30 anos, é que os oficiais de justiça eram valorizados. O senhor escrivão de Direito, o juiz entrava na secção e pedia licença ao senhor escrivão. Entrar nos tribunais tinha uma postura de correção e deferência pelos oficiais de justiça. Mas, ao longo destes anos, por responsabilidade da entidade patronal, que é o Estado, foram retirando essa dignidade com diversas políticas. Há muitos anos que essa valorização se perdeu e hoje não é a mesma coisa. É isso que também me trouxe aqui: tentar recuperar essa dignidade do oficial de justiça.
Por ser a primeira mulher a estar na presidência do sindicato, como vê este significado?
A sociedade está em constante evolução. Nós, mulheres, há muitos anos lutamos pela igualdade e cargos de liderança, o que ainda é difícil, até pela conciliação familiar. Hoje, como mãe e já com um filho e uma vida profissional, senti que tinha que ter um cunho feminino aqui. Penso que é importante para todos os oficiais de justiça. Para mim, é uma grande honra ser a primeira mulher — reflexo dos tempos — mas estou aqui com o compromisso de evoluir e dignificar a carreira e todos os funcionários judiciais.
Quais são as principais metas à frente do sindicato?
Neste momento, o principal é o decreto de lei que começámos no último mandato: o estatuto dos funcionários judiciais. Temos o mesmo estatuto há 26 anos, o que é uma grande falha. Agora é continuar a sua realização, pois, apesar de iniciado, falta muita coisa. Foi feito à pressa e precisa de muitas correções. Além do estatuto e da dignificação, queremos melhorar as condições de trabalho — desde o edificado, aos equipamentos, à parte informática e digitalização, e também os recursos humanos.
Como avalia o interesse dos jovens em Portugal hoje para a carreira de funcionário judicial?
A administração pública não se soube renovar. As políticas públicas levaram ao envelhecimento das carreiras e a salários baixos. As novas gerações têm outra mentalidade e não se reveem nos tribunais como um lugar onde são valorizadas. Isso, aliado à negligência na entrada de novos recursos humanos, aos salários e às formações fracas, afasta candidatos.
Agora empossada presidente, já fez contactos com o Governo?
Estamos a ultimar cartas oficiais para entidades com quem queremos reunir — ministra, presidente da Assembleia da República, sindicatos e Conselho Superior de Magistratura. Ainda não as remetemos, mas já tivemos contactos negociais com o Ministério da Justiça no âmbito da negociação estatutária.
Pode contar-nos como foi essa reunião e quais são as expectativas para as próximas?
É um trabalho de continuidade do mandato anterior, debatendo temas como ingressos, progressões e avaliações de mérito. A classe está cansada, à espera de um estatuto há 26 anos. Há abertura ao diálogo, mas abaixo do que pretendemos. O entrave costuma ser nas finanças, pois tudo passa pela tabela salarial. Esperamos eliminar o SIADAP, que é desmotivador, e conseguir um estatuto que valorize a carreira. Se não for possível, teremos de usar outros instrumentos para chegar a bom porto.
No discurso de posse comentou sobre a questão da saúde mental dos profissionais. Como pretende lidar com essa situação?
O sindicato está a tentar criar protocolos com entidades para acompanhamento psicológico dos associados. Também queremos que a tutela e a Direção-Geral tenham mecanismos para combater o sobretrabalho e a falta de recursos humanos, que contribuem para o burnout. Um estudo da Universidade de Coimbra aponta-nos como a profissão com maior índice de burnout.
Sobre a violência doméstica, que medidas Portugal precisa ter para dar mais proteção a essas vítimas?
Antes de tudo, mais recursos humanos — oficiais de justiça, técnicos especializados e melhor formação. Não adianta criar edifícios ou leis sem pessoas para executá-las. É preciso sensibilidade no atendimento às vítimas e repensar práticas como obrigá-las a sair de casa.
Pode nos contar um caso marcante que tenha ficado na sua memória?
O caso dos inspetores do SEF e do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, que era da minha secção. Também casos de violência doméstica extremos, com vítimas hospitalizadas, muitas vezes à beira da morte. Trabalhando nas execuções, vemos idosos fiadores de filhos endividados, pessoas sem dinheiro para advogados, empresas paradas. Situações de maus-tratos a idosos e solidão extrema.
Que mensagem deixa para as pessoas que lidam com a justiça em geral e para os associados do sindicato?
Deixo uma mensagem de esperança: lutem pela justiça, mesmo com as dificuldades e injustiças que o próprio sistema cria. Continuem a reclamar e a denunciar situações inadequadas. Aos colegas, digo que um sindicato é união, não um edifício. Unidos, podemos alcançar objetivos. Nada se consegue a 100%, mas 95% já é muito bom. Temos que ajudar a justiça a ser justa.