O Nosso Sindicato: Da fundação à actualidade
Autoria: Rafael Fernandes (SFJ)
Parte I
Considerou a actual direcção do S.F.J., chegado o momento de dar testemunho histórico do movimento sindical no seio dos funcionários de justiça.
Ao ser-nos proposto tal objectivo, aceitamos tal tarefa por entendermos que não podíamos ficar imunes a tal desafio, cientes, no entanto, de que dada a sua abrangência e leituras possíveis dos acontecimentos, deve a participação ser colectiva., abrindo-se, por isso, este espaço, a receber todos os contributos que possam acrescentar, clarificar e, eventualmente, rectificar passagens ou testemunhos.
Além do mais, tal tarefa mostra-se particularmente difícil dado que, nomeadamente, no tocante à precisão temporal e subjectiva dos acontecimentos considerados relevantes, não se tratou, atempadamente, da recolha e sistematização do escasso espólio existente.
Trata-se, pois, de um trabalho que pretendemos sistematizar, em vários momentos, mas que deverá ser de publicação regular, iniciando, desde já, a primeira parte do nosso contributo.
Iniciaremos o nosso testemunho, em jeito de introdução, reflectindo, se bem que ligeiramente, sobre os movimentos sindicais.
Os sindicatos correspondem ao direito de coalização.
As primeiras manifestações de associações operárias, percursoras do sindicalismo, ocorreram nos séculos XV e XVI, quando os “companheiros” (trabalhadores) entraram em luta com os “mestres” que detinham o poder corporativo e possuíam o monopólio dos instrumentos de produção.
No século XIX, as penosas condições de trabalho impostas aos trabalhadores na primeira fase da revolução industrial, motivaram a associação de trabalhadores, a qual passou a ser tolerada em muitos países, onde as leis que conceituavam, como delito, a coalização, foram alteradas, com o fim de modificar as condições de trabalho ou de mercado, casos da Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha.
A partir de 1825, são fundados os primeiros sindicato ingleses.
No caso Português, até 25 de Abril de 1974, a base da organização corporativa das profissões, era o sindicato nacional. O D.L. 23050, de 1933, obrigava, como regra, a agrupamento de mais de 100 indivíduos que exerciam a mesma profissão livre ou trabalhadores por conta de outrem.
Tinham como finalidade consagrada, o estudo e a defesa dos interesses profissionais, no aspecto moral, económico e social.
Na prática, através de “nomeações políticas” tornaram-se correias de transmissão do poder corporativo do chamado Estado Novo, salvo excepções de sindicatos verdadeiramente independentes que, apesar de tudo, mantiveram uma actividade fiel aos princípios e espírito sindicais.
Só com o advento da revolução de 25 de Abril de l974 e subsequentes transformações de ordem constitucional, os sindicatos ganham uma verdadeira autonomia e independência em relação aos Governos e são reconhecidos legalmente e passam a ter personalidade jurídica.
Tal como a invenção da roda, da qual, porventura, não conhecemos a autoria, nem relevamos como de actualidade emocionante, não deixa, no entanto, de ser vital para uma miríade de elementos tecnológicos do nosso quotidiano, também hoje não teremos a percepção da relevância existencial do sindicalismo e os “custos” e tormentas que confluíram para essa conquista.
E é bom lembrarmo-nos que condições e direitos que hoje temos por serem intrinsecamente essência da condição, não existiam, antes foram resultados de lutas associativas.
Estão, neste caso, no plano nacional, por exemplo, o direito aos subsídios de férias e de almoço, o 13º mês e outros de carácter social.
Servem-nos estas breves reflexões, também de contributo para estruturarmos a nossa evidência de que mais vale a existência de um sindicato, porventura de fraco desempenho, que a sua inexistência!
Os funcionários judiciais, à semelhança, aliás, de toda a função pública, não possuía qualquer tradição associativo-sindical, aliás proibida pelo regime anterior ao “25 de Abril”, iniciou os primeiros passos no sentido da constituição do “seu sindicato”, no ano de 1975.
Uma vez que à época, o ordenamento jurídico impunha para que as Assembleias Constituintes fossem valorativas, um quórum de, pelo menos, 10% do universo dos representados, deve ter sido esse facto que conduziu ao movimento de quatro sindicatos, correspondentes à área territorial dos quatro Distritos Judiciais – Coimbra, Évora, Lisboa (enquadrando as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira) e Porto.
Parte II
Terminamos as nossas reflexões na primeira parte com o momento existencial dos quatro sindicatos de carácter regional e pelos motivos aí explicados, como subjacentes a essa solução.
Destacaremos, desse período, colegas de relevância na prossecução dos seus objectivos, cabendo lembrar que estávamos no limiar dos movimentos sindicais de cariz efectivamente independente dos poderes públicos.
Foram verdadeiros pioneiros, juntamente com outros colegas, com menor visibilidade pública, mas de acção de grande relevância que pela sua abnegação e até sacrifício pessoal, conseguiram os seus objectivos.
Estávamos numa época onde quase tudo e todos, em termos de sindicalismo, eram amadores e onde os meios materiais eram escassos o que obrigavam, em muitas circunstâncias, ao dispêndio pessoal, para alcançar objectivos de militância.
No contexto atrás descrito, é de toda a justiça realçar o contributo dado, muito para lá do cumprimento estrito exigível à sua função, da colaboradora administrativa, Alzira Guimarães, ainda em funções e que já completou 25 anos ao serviço do Sindicato.
Correndo necessariamente o risco de cometer injustiças de avaliação e omissões relevantes, com todo o subjectivismo, não deixarei de testemunhar a minha vivência de cerca de duas décadas, realçando as figuras do Albuquerque, Palheta Mendes, Gonçalves Pereira, João Bettencourt.
Pelo reconhecimento de que para uma efectiva e profícua acção reivindicativa que os tempos aconselhavam, ser protagonizada por uma estrutura unitária, foram concensualizados esforços, apesar de algumas clivagens, entretanto imanente, como seja, a defesa do modelo de uma federação ou união, prevalecendo a tese da criação de uma estrutura de sentido do sindicato único, de âmbito nacional.
Para tal, foi convocado um Congresso extraordinário, o que veio a acontecer em 1989, na cidade de Coimbra, cujas conclusões conduziram à eleição de uma comissão executiva que desencadearia os mecanismos necessários à criação do sindicato único, o que veio a culminar com o actual “S.F.J.”.
Coimbra, cidade onde, aliás, no ano anterior, tinha ocorrido o 1º Congresso, a primeira grande reunião de funcionários de justiça, de âmbito nacional, do Continente e Regiões Autónomas, muito participado, quer por parte dos funcionários de justiça, quer de entidades com relevância, de vários quadrantes e de grande camaradagem.
Entramos, assim, na década de 90, com uma estrutura sindical de âmbito nacional, com um modelo estatutário baseado na corrente predominante da época, de raiz centralizada coexistindo com estruturas de âmbito Regional – Delegações coincidentes com as áreas territoriais dos 4 Distritos Judiciais.
Mais tarde, passaram as Regiões Autónomas a possuir as suas próprias Delegações.
Entre avanços e recuos, com maiores ou menores sucessos, insucessos, crises institucionais, alguns regionalismos estéreis, entendemos que os funcionários de justiça, têm sido razoavelmente bem representados quer a nível de intervenção reivindicativa, quer a nível das solicitações em participações de diversos níveis.
Como intervenções de relevância com incidência na vida dos funcionários de justiça, destacaríamos a problemática do serviços aos sábados e domingos, a maior greve da sua história, em 1998, de 5 dias e que conduziu a um ganho directo na escala indiciária e a atribuição do suplemento dos 10% e, mais recentemente, a integração dos cerca de 600 eventuais.
Deste período de assunção de sindicalismo com intervenção activa, há quem realce, atribuindo, até, algum co-paternalismo, a criação e institucionalização do C.O.J. (Conselho dos Oficiais de Justiça), como factor de emancipação em relação ao C.S.M., o que futuros desenvolvimentos vieram alterar, através da quebra da emancipação “absoluta” o que, aliás, acontece na actualidade, por reconhecimento oficial.
Será matéria controvertida – “contas de outro rosário”.
Fomos, entretanto, catapultados para numa época de grandes evoluções, sociais e económicas, encontrando-se a função pública confrontada com um ciclo de profundas reformas, perante as quais, terão todos os sindicatos de estar à altura de dar respostas objectivas.
Trata-se já não de um sindicalismo, eminentemente de bandeira, mas sim de influência, não abdicando, no entanto, de princípios fundamentais. A globalização num contexto de economia neo-liberal descaracteriza e, tendencialmente, “desumaniza” o indivíduo.
Em nome da evidência deste novo contexto social e do grande património, designadamente humano, que soubemos criar, a exigência de um sindicato com um novo dinamismo, estruturalmente capaz e de capacidade reconhecida.
Até porque possuímos, uma bandeira que nos deve orgulhar, a de que apesar dos níveis de filiação sindical, na generalidade, quer nacionais, quer europeus, serem abaixo dos 30%, mantemos, na actualidade, um índice de cerca de 70%.
Deste 2º período, digamos, de carácter mais consolidativo outros protagonistas merecem especial relevo, o que tentaremos analisar, talvez com mais distanciamento, posteriormente.