Carta Aberta do Presidente do SFJ António Marçal para a Srª. Ministra da Justiça

Cara Ministra Rita Júdice,

É com o maior respeito pelo cargo que ocupa, mas também com a firme responsabilidade de dar voz à realidade dos funcionários judiciais, que me dirijo a Vossa Excelência. Começo por lembrar que “preliminar” foi o voto de confiança que lhe demos em junho de 2024, com a esperança de que pudesse iniciar um caminho de resolução para os graves problemas que afligem os trabalhadores da Justiça e que, inevitavelmente, impactam negativamente os tempos de resposta do sistema judicial. Até ao momento, porém, nada de concreto aconteceu. Nem mesmo a letargia do Ministério da Justiça foi ultrapassada.
De forma irónica, é preciso reconhecer que há uma “única” área onde não se verifica qualquer letargia: no discurso propagandístico que insiste em afirmar que os problemas estão a ser resolvidos. Um exemplo claro disso é a referência às “milagrosas soluções de tramitação eletrónica” como o Citius no inquérito, que supostamente poupam “milhares de horas de trabalho” aos oficiais de Justiça. Santa ignorância! Quem trabalha diariamente nos serviços do Ministério Público sabe bem que essa não é a realidade.
Permita-me lembrar, Senhora Ministra, que as SEIVD – Secções Especializadas Integradas de Violência Doméstica – não cobrem todo o território nacional por uma razão elementar: não há funcionários suficientes para alocar a esses serviços.
Além disso, os 570 candidatos que deveriam ter iniciado funções no passado dia 20 de janeiro enfrentam desde já um elevado número de desistências. A “formação intensiva”, que agora começa, implica que apenas em fevereiro os corajosos que persistirem estarão efetivamente nas Secretarias.
É também de sublinhar que esta formação, realizada online, ocorre nas residências habituais dos candidatos, mas que, em breve, serão obrigados a deslocar-se para os tribunais, assumindo uma rotina de trabalho presencial que exige cinco dias por semana no local de trabalho. Para além disso, é frequente que o trabalho exceda o horário normal, sem qualquer tipo de compensação. No final do mês, como sucede com os que já exercem funções, os novos trabalhadores descobrirão que não existe qualquer suplemento de disponibilidade.
Senhora Ministra, fica-lhe mal – muito mal – produzir tais inverdades. Não pode ignorar que está pendente no Tribunal Administrativo e Central de Lisboa uma ação contra o Ministério da Justiça, com um pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, cujo foco principal é o não pagamento do trabalho extraordinário. Também não corresponde à verdade que um Tribunal Superior tenha dado razão ao Governo nesta matéria. A ação, interposta em 2009, continua em recurso no Tribunal Administrativo do Sul, com conclusão ao Juiz em 7 de maio de 2024.
Na audição na Assembleia da República, Vossa Excelência furtou-se a responder às perguntas que lhe foram dirigidas sobre os trabalhadores judiciais. Enfrente os problemas e apresente soluções, como os sindicatos fizeram. Se analisar com “olhos de ver”, concluirá que a nossa proposta segue a linha adotada pelo Governo nas soluções encontradas para outras carreiras especiais. Abandone a demagogia e a palavra fácil e trabalhe seriamente na busca de soluções. Se assim o fizer, poderá contar com os trabalhadores. Caso opte por uma posição negacionista e demagógica, o silêncio do nosso protesto na abertura do ano judicial dará lugar ao troar do protesto veemente e robusto dos homens e mulheres que garantem o devir, lento mas devir, da Justiça.
É tempo de se fazer Justiça para quem nela trabalha!
António Marçal

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